7 de janeiro de 2009

NO FINAL DE SEMANA EM QUE FÁBIO SE MATOU... (CONTO)

Sexta-feira, 23:30h 
Fábio estava tão nervoso que quase não conseguiu estacionar o carro. Tinha certeza que aquela seria a última noite em que sairia com Verônica. As palavras dela, e da turma dela, o haviam magoado muito. 
Quem eram eles para perguntar quem ele era?  “Quem você pensa que é?” ou, o pior, “Você é um metido à intelectual, ouvindo músicas que ninguém ouve e lendo livros que ninguém lê...” teriam doido menos se fosse dito por outra pessoa, num outro lugar ou, pelo menos, sozinhos, mas na frente de todos e por Verônica, foi demais. 
O problema é que gostava dela. O seu jeito de criança e seu sorriso sincero o havia conquistado desde a primeira vez. Estavam juntos há 2 anos, mas as coisas só mudaram de alguns meses para cá, após a entrada deles na faculdade e a opção de pegarem cursos diferentes. 
Ele jornalismo, já que tinha facilidade para escrever e, alguns diziam, visão crítica das coisas. Ela pedagogia, bem, ele não sabia o motivo da escolha dela. 
Seria ele assim tão diferente? Era crime não suportar reality shows ou micaretas da vida? 
Uma sensação de vazio se apoderou dele. Nessa hora descobriu que tinha medo da solidão. Ele teria que fazer algo se quisesse ficar com ela. 
Foi ai que veio o estalo. Se ele era inteligente e conseguia fazer qualquer coisa então se matar não seria má idéia. 
Foi com essa resolução que ele ligou novamente o carro e se pôs a caminho. 

Sábado, 03:40h 
Estava saindo da casa da irmã com todo o material que julgava necessário. Se ele queria morrer morreria de forma limpa, sem deixar traços do seu passado para ninguém. 
Seria fácil, ele nunca tivera amigos e seu gosto peculiar só diminuíam a sua chance de conhecer alguém, para falar a verdade seu último amigo de verdade havia sido o Tomás, isto na quinta série. 
Depois que ele se mudou para Brasília nunca mais tiveram contato, Fábio notou, estranhamente, que essa era a primeira vez que pensava nele em anos. 
“É”, pensou, “Estava precisando morrer mesmo”. 

Sábado, 14:40h 
Acordou ainda com um pouco de dor de cabeça, sentiu que estava morrendo quando não teve vontade de ligar seu som. 
A primeira coisa que fazia sempre que acordava. Olhou para a parede e se lembrou dos pôsteres que haveria de jogar fora. Bandas que fizeram parte de sua vida desde que se interessara por rock. 
Velhas imagens dos Smiths e do Cure, algumas fotos do Killers e do Keane, todas estas misturadas com Iggy Pop e Front. Essa miscelânea de sons e imagens estavam deixando de fazer sentido para ele. Foi com certo ar de alivio que percebeu que havia pedido o interesse pela CNN também. 
Continuou seu cronograma. 
Próximo passo: PC. 

Sábado, 22:30h 
Após beber meia garrafa de vodka já estava pronto para a fase 3. 
Apagara todos os seus arquivos de mp3 e e-books, não precisaria mais deles. Despedira-se também de suas comunidades do Orkut e Myspace, falou para todos que empreenderia uma longa viagem e que manteria contato. Mentira, nunca mais falaria com eles. Não que fizessem falta, todos eram de outros estados e países, a única coisa que tinham em comum era a paixão pela música e literatura, essas “paixões” Fábio já começara a perder. Não fazia mais sentido continuar com a convivência. 
Colocou um pendrive no PC e começou a extrair novas músicas. Após a conclusão da transferência apagou a luz e bebeu o resto da garrafa. 
Colocou os fones de ouvido e relaxou no chão mesmo. Ouviu as músicas durante todo o tempo que permaneceu dormindo. 

Domingo, 11:50h 
Acordou com uma ressaca imensa. Ligou para a sua irmã e pediu que ela comprasse roupas novas para ele. Claro que ele não falou que eram roupas para seu funeral. Depois que especificou o que queria e da estranheza da sua irmã ele foi para o chuveiro ainda com o som do PC ligado, mas agora nas caixas. 

Domingo, 15:15h 
Estava agradecendo a Deus pelo fato da sua mãe está viajando para o interior e não presenciar aquele estranho ritual. 
Pegou suas velhas camisas xadrez e as camisetas das bandas que um dia tanto gostou. Juntou tudo aos pôsteres e revistas importadas de música. Resolveu deixar os livros, poderiam ser úteis para alguém. Não acenderia a pira agora, era só preparação, a cremação seria a noite. Ainda faltavam os quadrinhos e os action figures, ou os “bonequinhos” que Verônica tanto criticava. 
De repente se deu conta, como passou bêbado a maior parte deste final de semana não notou a falta de ligação da namorada. Correu para o quarto e então percebeu que o celular havia descarregado. Depois de colocá-lo para carregar viu que haviam 20 ligações dela. 
Será que ela sentiria falta dele. Duvidava que sim. Resolveu não ligar de volta. 

Domingo, 20:00h 
Havia acabado de queimar tudo. Tudo o que lembrava sua solitária vida. Ficou sentado por mais um tempo apreciando as chamas se extinguirem, a última coisa a queimar foram seus pares de Converse. 
Estava nu, havia queimado também as roupas do corpo. Foi para seu quarto e ligou o som. Não estranhou mais o fato de cantarolar uma música que há uma semana nem sabia que existia. 
Pegou as roupas que sua irmã havia comprado e as vestiu. Olhou para o espelho e se sentiu bem. 
Agora o que estranhava era não haver percebido o quanto aquela jaqueta jeans surrada, que agora era apenas cinzas, era incômoda. 
Pegou as chaves do carro e o pendrive, agora com novas músicas nele. Passou pela porta assoviando uma música baiana que ouvira incessantemente durante o final de semana. 
Estava indo ver Verônica. 

Domingo, 21:45h 
Fábio (ou uma considerável parte dele) estava morto. 

F I M ---------------- 

Nas caixas: Ash - Girls From Mars via meu HD mesmo...

0 comentários: